
A Anunciação, Leonardo Vinci. c.1472-1475, pintura a óleo.
Hoje, gostaríamos de considerar com especial atenção e devoção a passagem do Evangelho de Lucas que relata o episódio da Anunciação do Arcanjo Gabriel à Bem-Aventurada Virgem Maria (Lc 1, 26-38).
A trecho bíblico se abre com a aparição do anjo Gabriel «a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria» (v. 27). No mesmo versículo, como se pode ver, é enfatizado duas vezes que Maria é virgem e ela mesma repetirá isso no versículo 34, quando dirá ao anjo: «Não conheço homem algum». Essa repetição serve para sublinhar a natureza extraordinária da concepção de Maria.
O evangelista Lucas destaca o fato de o anjo aparecer a Maria em sua cidade de Nazaré, em sua casa, para expressar que Deus entra no cotidiano de nossas vidas, transformando-o.
O anjo saúda Maria, chamando-a com o verbo grego «Kecharitomene», que normalmente é traduzido como «cheia de graça», mas esta tradução não nos permite compreender o rico significado desta expressão. Este é um verbo grego perfeito passivo. O tempo perfeito, em grego, indica uma ação que começou no passado, mas cujos efeitos permanecem no presente. A voz passiva, por outro lado, é usada para expressar uma ação sofrida pelo sujeito. O verbo «Kecharitomene», portanto, indica a iniciativa divina na vida de Maria, uma iniciativa que, tendo ocorrido no passado, tem efeitos que perduram também no presente. A expressão «Kecharitomene» poderia ser traduzida como: “Você é aquela que Deus encheu com Sua graça”. A graça de que Maria está repleta, contudo, não a isenta do esforço e da dificuldade de entrar no plano de Deus.
Então o anjo lhe diz: «O Senhor é contigo», expressão usada diversas vezes no Antigo Testamento para indicar a proteção e a ajuda de Deus em uma missão recebida. Deus assegura sua proteção a Jacó, Moisés, Gideão, por isso Maria se coloca entre as grandes figuras que receberam de Deus um apoio particular em vista de uma missão a ser cumprida. A preocupação de Maria é seguida pela garantia do anjo: «Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus» (v. 30).
E ele lhe anuncia sua missão: «Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim» (vv. 31-33). Maria pergunta ao anjo como isso será possível, é uma reação compreensível dada a grandeza do anúncio. Maria não duvida como fez Zacarias ao receber o anúncio do nascimento de João Batista, porque sua atitude já é de disponibilidade e abertura à vontade de Deus, mas ela quer entender como a palavra do anjo se realizará.
Aqui o anjo lhe dá a explicação: «O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o menino que nascerá de ti será chamado Santo, Filho de Deus» (v. 35). O Espírito Santo descerá sobre Maria como desceu sobre os apóstolos no dia de Pentecostes. O verbo grego usado por Lucas para a anunciação, de fato, é o mesmo que o autor dos Atos dos Apóstolos usará para descrever a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos no Pentecostes. Até mesmo na expressão «te envolverá com a sua sombra» é usado o mesmo verbo que no Antigo Testamento indicava a nuvem que cobria a Tenda do Encontro, onde Deus havia estabelecido a Sua morada. Aqui, portanto, ele expressa não apenas a presença de Deus na criança, mas que essa criança é o Filho de Deus.
Para confirmar suas palavras, o anjo dá um sinal a Maria: «Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril, porque a Deus nada é impossível» (vv. 36-37).
Com as palavras do anjo, Maria não tem mais medo e com confiança entrega o seu coração e a sua vontade à Palavra de Deus: «Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» (v. 38).
Maria se define como a «serva do Senhor», evocando assim toda a história daqueles chamados por Deus que disseram «sim» ao Senhor: Abraão, Jacó, Moisés, Davi, o servo sofredor descrito pelo profeta Isaías.
«Serva», portanto, é o terceiro nome de Maria: o primeiro, Maria, é dado a ela pelos homens, o segundo, «Kecharitomene», é dado a ela por Deus, o terceiro, «serva», ela dá a si mesma.
Com o seu «sim», Maria torna-se o modelo de todas as vocações, figura dos fiéis e da Igreja, chamados a aderir à vontade de Deus e a colocar-se ao Seu serviço. Aprendamos também a dizer «sim» a Deus em todas as circunstâncias da nossa vida, deixando-nos levar pela mão de Maria, nossa Mãe e Mãe da Igreja.